Eu Tinha aproximadamente 5 anos quando, brincando como criança levada que sempre fui, tive o pé perfurado com um caco de vidro resultante da quebra de um pote de doce de leite. Lembro que briguei com o menino que havia quebrado o pote, devo ter xingado até a décima geração dele, mas depois eu entrei na lavanderia (que minha mãe havia acabado de limpar) e deixei pingos de sangue por todos os lados. O chão que era de piso marrom, recebeu gotas do meu vermelho sangue deixando um contraste bem legal nerdicesdedesigner. Não me lembro da dor. Não me lembro se chorei, ou melhor, se chorei muito, porque sempre fui manteiga derretida. Não guardei todos os momentos, mas há algo nesse dia que eu nunca esquecerei.
Morávamos em um sítio, no interior de São Paulo, o primeiro lugar que morei depois de sair da Bahia. Para ir ao médico mais próximo ia levar tempo, então meu pai cobriu meu pé e disse que após sairmos da igreja (creio que era um domingo) ele me levaria para fazer um curativo no hospital.
Para chegar até a igreja, andávamos cerca de 5 minutos até a estrada, onde havia um ponto de ônibus e então esperávamos pela primeira lotação que passasse e seguíamos para o centro da cidade, onde ficava a igreja e por conseguinte o hospital. Para fazer esse caminho, meu pai simplesmente me colocou sobre os ombros e eu fui toda feliz, porque só eu tinha esse privilégio. O privilégio de ser pequena demais e, nesse dia, de estar com o pé machucado, veja só.
Ao fim do culto fomos para o hospital e ele me perguntou:
- Você não vai chorar, né? Você já é uma mocinha.
- Eu não, eu ague- aguento, pai. - Gaguejei enquanto ouvia gritos de alguma outra criança na enfermaria e arregalava os olhos.
- Vamos combinar assim, se você não chorar eu te dou uma bala dessa aqui. -ele falou ao tirar do paletó uma das balas deliciosas que ele sempre tinha e que eu amava.
- Combinado!
Fui chamado, a enfermeira fez o curativo e eu caladinha. Segurei a dor do merthiolate (que nessa época doía pacas) e tudo mais. No fim, tive minha recompensa: a tão desejada bala e, de novo, fui carregada sobre seus ombros. Eu amava quando ele me carregava assim.
Sim, ele me prometeu uma bala. Não foi o último celular da samsung. Não foi a boneca que andava sozinha. Não foi um Ipad. Foi uma bala. Parece tão pouco né? Mas minhas lembranças provam que não. Foi uma atitude simples, de uma coisa simples, mas que hoje me faz lembrar do carinho dele comigo.
No pé, ainda tenho a cicatriz desse dia, e é disso que eu lembro quando eu vejo a cicatriz: É bem assim quando eu lembro que ele não está mais perto de mim: um dia sangrou, doeu, eu chorei, eu brigava com Deus questionando o porquê dele ter sido tirado de mim antes de me ver ir para meu primeiro emprego ou entrar para a faculdade. Hoje eu não choro mais, ou pelo menos não deixo que me vejam chorando. Idiotice ter medo que saibam que você sente. Mas é assim mesmo.
Essa história toda é para falar desse homem que foi e sempre será o homem que eu mais amei nessa terra.
(Imagem:http://comps.fotosearch.com/comp/BLD/BLD062/pretas-pai-carregar_~BLD082584.jpg)
(Priscila Santiago #sobrenomeDeleQueEuSempreQuisTer)